“Quando iam de caminho, entrou Jesus em uma aldeia; e uma mulher chamada Marta hospedou-o. Esta tinha uma irmã, Maria, a qual, sentada aos pés do Mestre, ouvia o seu ensino. Marta, porém, muito preocupada com várias ocupações, aproximando-se disse: Senhor, não se te dá que minha irmã me deixe só a trabalhar? Manda-lhe, pois, que me ajude. Retrucou o Senhor: Marta, Marta, estás ansiosa e te ocupas com muitas coisas; entretanto, poucas são necessárias, ou antes, uma só; Maria escolheu a boa parte, que não lhe será tirada.” (Evangelho)
As palavras do Senhor não encerram propriamente
censura ao proceder de Marta. Ele manifestou-se a respeito do caráter
das duas irmãs; e isso mesmo provocado pela própria Marta.
Ambas eram boas e tementes a Deus; entretanto, havia
entre uma e outra um cunho particular que as distinguia; e o Mestre, mui
judiciosamente, soube apreciá-lo. Marta era sensata, laboriosa,
ponderada; agia sempre com método e cálculo, de maneira que, em todos os
seus atos, podia-se descobrir o predomínio de uma razão amadurecida.
Maria possuía um espírito apaixonado, descuidada talvez das coisas
práticas, entusiasta pela espiritualidade: era uma idealista que se
deixava levar pelo coração.
Marta era um exemplar de mulher impecável, aos olhos
do mundo; enquanto que Maria, sua irmã, não faria jus à mesma
apreciação, em virtude do acentuado cunho de idealismo que a dominava.
Ainda neste particular, como em outros muitos, o
juízo do Mestre contrasta com o dos homens. Assim é que o vemos dizer
abertamente: Maria escolheu a boa parte, que lhe não será tirada.
Para o mundo, a boa parte é o utilitarismo, enquanto
que para Jesus é o idealismo. Marta atendia às coisas da Terra, embora
não descurasse as do Céu; Maria identificava-se com estas a ponto de
olvidar aquelas. Marta era um perfeito tipo de mulher. Sua irmã ai além;
transpunha, ainda que inconscientemente, os limites que separam o
humano do divino, o terreno do celestial.
Na balança da justiça da Terra, Marta pesa mais que Maria; na da justiça do Céu, Maria pesa mais que Marta.
O mundo vê no idealismo um desequilíbrio, no
idealista um semi-doido. Não obstante, Jesus manifesta-se positivamente
por Maria, dizendo que ela escolhera a boa parte.
Os homens do século vivem aflitos e afadigados com
mil preocupações, que os enervam, quando, em verdade, como assevera o
Mestre, poucas coisas são necessárias. As inúmeras necessidades que
fazem o flagelo da maioria dos homens são fictícias, puros caprichos
criados pelas paixões desenfreadas, pelos vícios e taras mórbidas, que
se adquirem por imitação e se alimentam por egoísmo.
A necessidade real é, rigorosamente, uma só: envolver, caminhar na senda da perfeição, que é o senso da vida. “Buscai em primeiro lugar o reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais vos será dado por acréscimo”.
Em tal importa a boa parte. Felizes os que a
escolheram, pois não lhes será tirada, isto é, poderão transportá-la
além do túmulo. É um sonho? É uma ilusão? Que importa? Há sonhos que se
transformam em realidades, e há realidades que se transformam em sonhos.
Os bens e os prazeres mundanos são realidades do momento, que se
tornarão em pesadelos no futuro. A revelação do Céu, essa água viva que
Maria sorvia embevecida aos pés do Senhor, será quimera e loucura para
as gentes, mas que se há de tornar em realidade no próximo porvir que
nos espera.
Livro: Nas Pegadas do Mestre
Autor: Vinicius (pseudônimo) – Pedro de Camargo
8ª Edição em 1992 – Editora Federação Espírita Brasileira (FEB) –
Páginas: 247 até 248 – Brasília-DF – 1933
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