"De caminho para Jerusalém, passava Jesus pela divisa entre a Samaria e a Galiléia. Ao entrar numa aldeia, saíram-lhe ao encontro dez leprosos, que ficaram de longe e levantaram a voz, dizendo: Jesus, Mestre, tem compaixão de nós! Jesus, logo que os viu, disse-lhes: Ide, mostrai-vos aos sacerdotes. E em caminho ficaram curados. Um deles, vendo-se curado, voltou, dando glória a Deus em alta voz, e prostrou-se aos pés de Jesus, agradecendo-lhe; e este era samaritano. Perguntou Jesus: Não ficaram curados os dez? onde estão os outros nove? Não se achou quem voltasse para dar glória a Deus, sendo este estrangeiro ? E disse ao homem: Levanta-te e vai; a tua fé te salvou."
Porque disse Jesus ao samaritano: a tua fé te salvou? Porque a fé nesse crente, em tudo dissemelhante da dos Judeus, era despida de fanatismo, não se restringia aos moldes estreitos daquela fé convencional da escolástica religiosa.
A fé daquele samaritano era livre, isenta de peias dogmáticas, escoimada de todos os prejuízos sectários inerentes aos credos exclusivistas. Daí porque ele logrou sentir os eflúvios celestes banhando seu Espírito e despertando-lhe no coração os bons sentimentos, dentre os quais se distingue, como dos mais belos padrões de nobreza, a gratidão.
Jesus sarara os dez leprosos; mas, o prodígio só impressionou profundamente ao samaritano, porque_ só ele recebeu o influxo do céu, graças às condições do seu coração liberto do fanatismo que
obceca a mente e embota as cordas do sentimento.
Por isso, enquanto os nove Judeus prosseguiram maquinalmente em demanda dos sacerdotes para cumprirem o preceito ritualístico de sua religião, o samaritano retrocedeu em busca do seu benfeitor, a cujos pés se prostrou, num gesto sublime de humildade e de profundo reconhecimento.
Sua alma possuía apreciável capacidade de sentir. O benefício recebido encontrou eco em seu coração suscetível de apreciar o bem e capaz de experimentar as emoções suaves e doces que o bem gera e acoroçoa.
Concluímos do exposto que o maior benefício que recebemos, através duma graça que nos é concedida, não está propriamente no objeto alcançado, mas no reconhecimento que o fato pode despertar. A .gratidão é o elo indissolúvel que une o beneficiado ao benfeitor. Assim, pois, quando o pecador tem capacidade moral para sentir o benefício que lhe é outorgado, fica por isso mesmo em comunhão com o céu: e nisto consiste o sumo bem conquistado. Jesus curava o corpo, visando a redimir o Espírito. Daí seu contentamento, verificando que, ao menos num, dentre os dez leprosos beneficiados, havia atingido o alvo visado em sua missão. E' bom que todos os doentes do corpo saibam disto, a fim de se não iludirem buscando a saúde da matéria e relegando a do Espírito. São as enfermidades deste que o médico das almas, de preferência, veio curar.
Livro Em Torno do Mestre
Autor: Pedro de Camargo – Pseudônimo Vinicius
Local de Edição: Brasília – DF – Brasil – 1939
Paginas: 105 e 106
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