A palavra virtude (do latim virtus)
designa excelência ou qualidade. O
significado é genérico quando aplicado a tudo o que é considerado correto e
desejável em relação à moral, à ética, à vida em sociedade, às práticas
educacionais, científicas e tecnológicas, assim como à eficácia na execução de
uma atividade. Em sentido específico o
conceito se restringe a duas capacidades humanas: conduta moral no bem e habilidades para fazer
algo corretamente.
Em relação a este assunto,
elucidam os orientadores da Codificação Espírita:
“Toda
virtude tem seu mérito próprio, porque todas indicam progresso na senda do
bem. Há virtude sempre que há
resistência voluntária ao arrastamento dos maus pendores. A sublimidade da virtude, porém, está no
sacrifício do interesse pessoal, pelo bem do próximo, sem pensamento
oculto. A mais meritória é a que assenta
na mais desinteressada caridade”.
O filósofo grego Aristóteles
(384-322 a.C.)
classificou as virtudes em dois grupos, quanto à natureza, ambos aceitos nos
dias atuais: virtudes éticas ou do caráter
– indicam todas as qualidades ético-morais, inclusive o dever, as quais nem
sempre são submetidas à razão; virtudes dianoéticas ou do pensamento
– abrangem as competências intelectuais (inteligência, discernimento,
conhecimento científico, aptidões técnicas), controladas pela razão.
As primeiras são desenvolvidas
pela educação e pela prática que conduz ao hábito. Filósofos, do passado e do presente, defendem
a ideia de que as virtudes ético-morais são dons inatos,
desenvolvidos por seres humanos especiais.
Diferentes interpretações religiosas pregam que essas virtudes somente
ocorrem por graça ou concessão divinas.
As segundas, as virtudes dianoéticas ou do pensamento, podem ser
ensinadas por meio da instrução, daí serem muito valorizadas pelas ciências
humanas, sobretudo as educacionais.
O Espiritismo considera que as
virtudes são aquisições do Espírito imortal, adquiridas e desenvolvidas por
meio de trabalho incessante no bem:
[...]
a virtude é sempre sublime e imorredoura aquisição do Espírito nas estradas da
vida, incorporada eternamente aos seus valores, conquistados pelo trabalho no
esforço próprio.
Importa destacar que a
classificação aristotélica é, na verdade, uma síntese dos ensinamentos de
Sócrates (470-399 a.C.),
posteriormente transmitidos por Platão (428/427-347 a.C.) em seu livro A
República. Para Sócrates, a
virtude se identifica com o bem (aspecto moral) e representa o fim da atividade
humana (aspecto funcional ou operacional).
Pelo aspecto moral sabe o homem virtuoso distinguir o bem e o mal. Pelo sentido funcional, ou fim da atividade
humana, a virtude é capacidade ou habilidade de realizar corretamente uma
tarefa. Contudo, tanto Sócrates como
Platão entendiam que as virtudes eram dons inatos, ainda que esses filósofos possuíssem
conhecimentos sobre a vida no além-túmulo e sobre as reencarnações sucessivas.
O seguinte texto, de O
Evangelho Segundo o Espiritismo, ilustra o assunto:
·
Palavras de Sócrates, registradas por
Platão: “A virtude não pode ser
ensinada; vem por dom de Deus aos que a possuem”.
·
Interpretação espírita, fornecida por Allan
Kardec:
É
quase a doutrina cristã sobre a graça; mas, se a virtude é um dom de Deus, é um
favor e, então, pode perguntar-se por que não é concedida a todos. Por outro lado, se é um dom, carece de mérito
para aquele que a possui. O Espiritismo
é mais explícito, dizendo que aquele que possui a virtude a adquiriu por seus
esforços, em existências sucessivas, despojando-se pouco a pouco de suas
imperfeições. A graça é a força que Deus
faculta ao homem de boa vontade para se expungir do mal e praticar o bem.
Sócrates e Platão, entretanto,
desenvolveram notável sistema filosófico sobre as virtudes, denominando-o Virtudes
Cardeais. Essas virtudes,
inseridas em seguida, são consideradas essenciais por representarem a chave para
a aquisição de todas as demais:
·
Prudência, também conhecida como
sabedoria. É a virtude que controla a
razão.
·
Fortaleza, entendida como
coragem. É a virtude do entusiasmo
(thymoiedés), a que administra os impulsos da sensibilidade, dos sentimentos e
do afeto.
·
Temperança, vista como autodomínio,
medida, moderação. Essa virtude age
sobre os impulsos do instinto, colocando freios nos prazeres e nas paixões
corporais.
·
Justiça, estabelece o discernimento
entre o bem e o mal. É a virtude que
conduz à equidade; ao saber considerar e respeitar o direito do outro; a
valorizar ações e coisas que garantem o funcionamento harmonioso da vida,
individual e coletiva.
Essa classificação não só
permitiu a Aristóteles elaborar o seu sistema de virtudes éticas e dianoéticas,
mas também exerceu forte influência no pensamento teológico dos chamados pais
da igreja, durante a Idade Média, sobretudo no desenvolvimento das
teses de Agostinho (354-430) e Tomás de Aquino (1225-1274), os quais fizeram
acréscimos às virtudes cardeais socráticas, a partir da análise dos textos do
Evangelho. Esses acréscimos foram
denominados Virtudes Teologais e se resumem nas seguintes: fé, esperança e caridade.
As orientações teológicas
católicas e protestantes preservaram as ideias socráticas e platônicas, no
sentido de que as virtudes são concessões divinas, revestindo-as, porém, de um
aspecto sobrenatural, de acordo com este raciocínio: se as virtudes representam uma graça de Deus
só podem ser concedidas aos santos, nunca ao ser humano comum.
Com o Espiritismo, porém, tudo se
aclara, felizmente. Entendemos que somos
seres perfectíveis, construtores do próprio destino. A aquisição e desenvolvimento de virtudes são
entendidos como necessidade evolutiva do Espírito, um meio para regular os atos
humanos, ordenar as paixões e guiar a conduta humana, segundo os preceitos da
razão, da moral e da fé.
As pessoas virtuosas destacam-se
das demais, não porque são especialmente marcadas por Deus, mas porque souberam
aproveitar as lições da vida e investiram no aprendizado, moral e intelectual,
ao longo das reencarnações e das experiências vividas no plano espiritual, após
a morte do corpo físico. Encontram-se
muito distantes da santidade, entretanto, revelam-se como Espíritos que “[...]
lutaram outrora e triunfaram. Por isso é
que os bons sentimentos nenhum esforço lhe custam e suas ações lhes parecem
simplíssimas. O bem se lhes tornou um
hábito [...]”.
A forma como a Doutrina Espírita
caracteriza a virtude e o homem virtuoso está sintetizada na belíssima mensagem
do Espírito François-Nicolas-Madeleine, constante em O Evangelho
Segundo o Espiritismo, ditada em Paris, em
1863:
A
virtude, no mais alto grau, é o conjunto de todas as qualidades essenciais que
constituem o homem de bem. Ser bom, caritativo,
laborioso, sóbrio, modesto, são qualidades do homem virtuoso. Infelizmente, quase sempre as acompanham
pequenas enfermidades morais que as desornam e atenuam. Não é virtuoso aquele que faz ostentação da
sua virtude, pois que lhe falta a qualidade principal: a modéstia, e tem o vício que mais se lhe
opõe: o orgulho. A virtude, verdadeiramente digna desse nome,
não gosta de estadear-se. Adivinham-na;
ela, porém, se oculta na obscuridade e foge à admiração das massas. [...] À virtude assim compreendida e
praticada é que vos convido, meus filhos; a essa virtude verdadeiramente cristã
e verdadeiramente espírita é que vos concito a consagrar-vos. Afastai, porém, de vossos corações tudo o que
seja orgulho, vaidade, amor-próprio, que sempre desadornam as mais belas
qualidades. Não imiteis o homem que se
apresenta como modelo e trombeteia, ele próprio, suas qualidades a todos os
ouvidos complacentes. A virtude que
assim se ostenta esconde muitas vezes uma imensidade de pequenas torpezas e de
odiosas covardias.
Autor: Marta Antunes Moura
Revista Reformador (Federação Espírita Brasileira)
Revista de Espiritismo Cristão
Ano: 217 – Nº:
2.158 – Janeiro de 2009
Páginas: 24 à 26
Livros (Referências):
- KARDEC, Allan – O Livro dos Espíritos – Tradução de Guillon Ribeiro – 91 Edição – 1ª reimpressão – Rio de Janeiro – Federação Espírita Brasileira (FEB) – Questões nº 893 e 894 – 2008.
- XAVIER, Francisco Cândido – O Consolador – Pelo Espírito Emmanuel – 28 Edição – Rio de Janeiro - Federação Espírita Brasileira (FEB) – Questão nº 253 – 2008.
- KARDEC, Allan – O Evangelho Segundo o Espiritismo – Tradução de Guillon Ribeiro – 127 Edição – Rio de Janeiro - Federação Espírita Brasileira (FEB) – “Introdução IV”, Item XVII – 2007.
- KARDEC, Allan – O Evangelho Segundo o Espiritismo – Tradução de Guillon Ribeiro – 127 Edição – Rio de Janeiro - Federação Espírita Brasileira (FEB) – Capítulo XVII, item 08 – 2008.
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