Jesus, no sermão da montanha — que bem se pode denominar a plataforma ou programa de sua obra de redenção — começou proferindo a seguinte sentença: "Bem-aventurados os humildes de Espírito, porque deles é o reino dos céus".
Porque humildes de Espírito? Bem-aventurados os humildes não seria o bastante? Porque a redundância — humildes de Espírito? Qual o motivo dessa superabundância de palavras? Simplesmente porque há várias formas de humildade; porém, só a de Espírito é que faz jus ao reino dos céus.
Há pessoas humildes de aspecto, de posição social, de haveres, de profissão, de trajes, de fisionomia, mas que o não são de Espírito.
Outras há cujas palavras e gestos, ressumando lhaneza e doçura, afeto e humildade, mal escondem a soberba que domina seus corações. A verdadeira humildade, como aliás todas as virtudes, vem do íntimo. O exterior nem sempre traduz o interior.
Há grande número de maltrapilhos e de mendigos orgulhosos. Existem, outrossim, excepcionalmente embora, exemplos de humildade entre pessoas abastadas, que ocupam posição de destaque. Há também sábios humildes, que constituem honrosas exceções à regra geral que impera entre os letrados e eruditos. A ignorância petulante e enfatuada é coisa vulgar e corriqueira.
Até entre os chamados ministros do Cristo se encontram orgulhosos impenitentes, compenetrados da idéia de supremacia e convencidos de que só a eles cabem determinados privilégios de ordem e caráter divinos.
A moral cristã, em muita gente, não passa da esfera do entendimento, da região puramente mental; jamais atinge o círculo do sentimento, a zona do coração. E' do coração, no entanto, que vêm o bem ou o mal, a virtude ou o vício.
O orgulho, sob seus aspectos multiformes, é a grande pedra de tropeço da Humanidade. E' o pecado original, que os mortais trazem consigo, ao aportarem às plagas deste mundo. Daí a origem de ' todos os atritos, dissídios e odiosidades que mantêm os homens em atitude de mútuas hostilidades.
A virtude, como alguém já disse, exclui os cálculos: é espontânea, natural. Os humildes de posição, de saber, ou de haveres estão sujeitos às circunstâncias que os cercam na presente existência. Não há mérito nem virtude por isso, além do modo como suportam e se submetem às inevitáveis condições de precariedade em que se encontram.
A humildade de espírito, ao contrário, é fruto de uma conquista, de certo estado de elevação moral da alma. E, graças a essa virtude, o Espírito pode avançar com passo seguro na realização dos seus gloriosos destinos. O orgulho não só oblitera o entendimento, senão que impossibilita o Espírito de receber as inspirações e as graças emanadas do alto.
Não é possível aprender sem possuir humildade de coração. Quem é humilde reconhece que ignora e está sempre pronto a assimilar os ensinamentos que o céu outorga aos mortais, por este ou aquele processo.
A inibição mental é, as mais das vezes, conseqüência direta do orgulho. A senda da virtude, como o caminho da sabedoria, só podem ser perlustrados pelos humildes de espírito. O orgulho é o entrave do espírito em todos os sentidos. E' o legítimo obstáculo às reconciliações, ao perdão, à unidade na fé e na ciência. Consequentemente é o fator da discórdia, desde o simples arrefecimento de afeto, até o ódio que separa, persegue e mata; é a eterna cizânia, que mantém os homens separados, intranqüilos, sobressaltados; é o dispersador de forças e de elementos prestáveis e úteis, que poderiam militar conjuntamente com grande eficiência, em prol das boas causas; é finalmente, o fermento que neutraliza as intenções e as aspirações elevadas de muitos, conservando-os na esterilidade.
Razão, pois, de sobra assiste ao divino Instrutor da Humanidade, subordinando à humildade de espírito todas as bênçãos celestes, como também o acesso aos tabernáculos eternos.
Livro: Em Torno do Mestre
Autor: Pedro de Camargo – Pseudônimo Vinicius
Local de Edição: Brasília – DF – Brasil – 1939
Paginas: 149 até 151
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